Prefácio
As raízes das religiões
afro-brasileiras estão firmadas nas tradições religiosas trazidas do
continente africano ao longo de três séculos ininterruptos do tráfico
atlântico de africanos escravizados.
O processo de dinâmica cultural que levou à constituição no Brasil de um
campo religioso peculiar envolveu não só o tempo, mas também as condições
históricas que exigiram do escravizado a dissimulação de suas práticas
religiosas originais; a fusão gradual de práticas africanas diferentes, pela
convivência cotidiana de seus fiéis em situação de extrema desvantagem social
a escravidão; a absorção de outras crenças e sua introdução no corpo de
doutrinas originais, especificamente crenças indígenas e euro/portuguesas.
Dessa dinâmica, cujos ritmos se perpetuam e fazem parte do próprio universo
da cultura resultaram as diferentes expressões da cultura afro-brasileira, da
qual na Bahia, o candomblé constitui-se sua maior representação.
As raízes do protestantismo brasileiro, por sua vez, estão em grande parte
firmadas nas tradições das igrejas protestantes norte-americanas que, no
século XIX, por motivos históricos e em cumprimento de projetos de expansão
missionária elegeram, juntamente com outras regiões do mundo, o Brasil como
campo de exercício de um programa de evangelização destinado a disseminar o
que se acreditava ser a verdadeira mensagem e forma correta de se praticar o
cristianismo. Dentre os diversos grupos que dividem o protestantismo, o
batista firmou-se na Bahia partindo de uma ação agressiva e combativa ao
campo religioso predominante, oficialmente católico.
A combatividade da propaganda batista no Brasil (e na Bahia em particular)
decorria de duas questões fundamentais: a desqualificação da cultura
brasileira, considerada pelos missionários como atrasada, supersticiosa e
inferior; a crença na inferioridade da religião brasileira, controlada
oficialmente pela Igreja Católica, frouxamente doutrinada por ela e marcada
pela permissividade face ao convívio com as expressões da religiosidade popular,
essencialmente africana.
De maneira geral a atuação missionária das igrejas protestantes
norte-americanas no Brasil originava-se da orientação de associações
organizadas no Sul dos Estados Unidos, área marcada pelo conservadorismo e
pelo fundamentalismo religioso. Todavia, lá mesmo nos Estados Unidos, a
unanimidade e a concordância estavam longe de marcar as relações entre os
diferentes grupos protestantes, o que explica dentre outras razões, o
afastamento de uma igreja batista no inicio do século XIX em Los Angeles,
para desenvolver uma doutrina e uma prática fundamentada no ¿batismo do
Espírito Santo e na orientação doutrinária baseada no fenômeno do pentecostes
(pentecostalismo). Trazidas para o Brasil no inicio do século XX, doutrina e
práticas pentecostais encontraram campo fértil para sua expansão na população
pobre e afrodescendente da Bahia, malgrado sua afirmação de repúdio às
práticas do candomblé.
São essas duas vertentes a do candomblé e a do pentecostalismo praticado pela
Assembléia de Deus que se encontram, se confrontam e convivem na sala de aula
da escola onde Deyse Luciano leciona como professora de História.
Oportunidade impar vivida por uma Professora Especialista em História e
Cultura Afro-Brasileira, título resultante de um Programa de Pós-Graduação
Lato Sensu realizado na Bahia em cumprimento à Lei 10639/2003; oportunidade
impar para uma jovem professora afrodescendente lidando com classes formadas
por uma maioria de alunos também afrodescendentes; oportunidade não só para
viver esse momento histórico como também para por em prática aspirações,
conhecimentos e métodos reunidos nos últimos anos de sua especialização
profissional.
Observadora atenta do entorno onde trabalha, num bairro populoso do subúrbio
ferroviário da cidade do Salvador na Bahia, Deyse percebeu a sala de aula
como um microcosmo de universo mais amplo, onde a diversidade religiosa não
devidamente compreendida nem aceita passou a constituir-se fator de
estranhamento e até de tensão entre fiéis de diferentes grupos. A publicação,
em 2003, da Lei 10.639 levou para a sala de aula a obrigatoriedade da
inclusão dos estudos da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana,
dando um passo significativo em direção ao reconhecimento da participação do
africano e do afrodescendente na construção da sociedade e da cultura
brasileira, mas ao mesmo tempo passou a exigir formação específica para os
educadores ligados diretamente à sua aplicação.
Uma formação destinada a garantir a atuação competente e proativa do
professor na escola buscando a efetivação dos princípios que norteiam a
cidadania: consciência dos direitos, cumprimento dos deveres e respeito ao
outro.
O trabalho aqui apresentado resulta da formatação de sua monografia para a
conclusão do Curso de Especialização já referido, no qual tive o prazer de
ser sua Professora e Orientadora. Trata-se de um estudo que procurou
responder à problemática central quanto à situação do jovem negro evangélico
no caso desta pesquisa negro pentecostal da Assembléia de Deus na escola e na
igreja, no que diz respeito às restrições estabelecidas pela Igreja e ao
discurso da diversidade e da tolerância cada vez mais divulgado pela Escola.
Em suma, pergunta a jovem Professora ...é possível ser negro evangélico no
universo cultural baiano. Os caminhos da pesquisa e do estudo trilhados por
Deyse Luciano para buscar possíveis respostas estão descritos neste trabalho,
ao qual recomendo leitura detida, despida de preconceitos e aberta a novas
abordagens.
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